Marcelo Bretas: “A Lava Jato é eterna. Doa a quem doer”

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O juiz Marcelo Bretas chegou à 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro em abril de 2015, disposto a enfrentar a corrupção e crimes do colarinho branco, especialidade do seu tribunal. Pediu transferência para a capital fluminense depois de ficar inspirado a trabalhar contra esse tipo de crime quando assistia pela televisão ao julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal.

Desde que veio ao Rio, suas decisões não foram bem recebidas por aqueles que acreditaram que a impunidade duraria para sempre e que agora acabaram presos por esse juiz empenhado em limpar as sujeiras do sistema. A vida de Bretas (Nilópolis, 1970) sofreu uma mudança radical.

As ameaças de morte o obrigam a viver sob proteção policial dia e noite, e ele perdeu a liberdade do cidadão comum. Bretas, que viajou à Alemanha convidado pelo Governo de Berlim para trocar experiências de luta contra a corrupção, acredita que no Brasil nasceu “uma nova forma de se fazer justiça”, com mais imparcialidade, “doa a quem doer”.

Nesta entrevista ao EL PAÍS, Bretas também revela como interpretou as declarações do ex-governador Sérgio Cabral sobre sua família em uma audiência, que motivaram a transferência de Cabral para um presídio de segurança máxima que depois foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal. “Ele me olhou nos olhos, como se dissesse ‘sei onde você mora’. Entendi que estava tentando descobrir mais sobre minha família”, afirmou o magistrado.

Pergunta. As notícias que chegam do Brasil pintam um país carcomido pela corrupção, mas também falam de juízes de destaque como o senhor. Que lições elas trazem para os alemães?

Resposta. Há muita curiosidade por saber como é o trabalho judicial nesses tempos em que no Brasil temos uma situação atípica, com pessoas e autoridades do Governo que exercem o poder e que estão sendo investigadas.

  1. Acha que já descobriu o grosso da trama de corrupção ou isso é só a ponta do iceberg?
  2. A Lava Jato não é um conjunto de investigações, é uma nova forma de se fazer justiça e de combater a corrupção. A Lava Jato é eterna. É operada com um novo padrão, de julgamentos mais rápidos, profundos e imparciais, em que não importa quem esteja envolvido. Doa a quem doer. É uma nova era da Justiça brasileira com profissionais envolvidos 24 horas por dia.
  3. Hoje existe mais corrupção ou ela vem mais a público?
  4. A percepção da corrupção é maior, as pessoas estão mais descontentes com a corrupção, e os juízes e os investigadores têm maior sensibilidade às demandas da sociedade, à indignação da população. Nosso trabalho agora é mais cansativo e mais perigoso porque, quando falamos de corrupção, falamos de pessoas com autoridade, de políticos envolvidos em crimes, que têm seus contatos com autoridades, com a polícia. Nesse terreno é preciso ter um cuidado extraordinário.
  5. O senhor foi ameaçado. Quem o quer morto?
  6. Existem muitas pessoas prejudicadas com todas essas mudanças feitas pelas investigações, mas não posso apontar ninguém concretamente porque estaria cometendo uma injustiça. A imprensa brasileira publicou que eu estaria sendo vítima de uma investigação extraoficial.
  7. Dizem que foi ordenada pelo ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, a quem o senhor enviou à prisão por corrupção e lavagem de dinheiro.
  8. Não posso confirmar porque existiram várias ameaças de morte a mim e à minha família. Não posso dar mais detalhes porque existem investigações abertas, mas digo que vivo com proteção policial no Rio e também quando viajo a outras cidades. Tenho proteção também em minha casa. Nossa vida [a de sua família] mudou muito. Eu não tenho liberdade para andar pela rua.
  9. Como foi possível que a trama corrupta tenha alcançado semelhante profundidade?

EL PAÍL