TEMER PERDEU A ‘VISÃO DA DIGNIDADE QUE O CARGO EXIGE DELE’, DIZ PROCURADOR DA LAVA JATO

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O procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima, da força-tarefa da Operação Lava Jato, em Curitiba, classificou como “grave” a afirmação do presidente, Michel Temer, que falou em associação criminosa ao atacar em rede social denúncia do Ministério Público Federal.

“Acho que ele (Temer) perdeu a visão da dignidade que o cargo exige dele”, disse Carlos Fernando. Em junho, ele já havia dito que o presidente foi “leviano” ao atacar o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, após apresentação da primeira denúncia contra ele.

“O que o Rodrigo Janot fez foi  a obrigação dele”, disse o procurador da Lava Jato ao novamente defender o ex-procurador-geral da República. Desta vez, vindas de Temer, de sua defesa e de aliados, após a segunda denúncia criminal contra o presidente – desta vez por liderar uma organização criminosa e por obstrução de Justiça -, apresentadas ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Na terça, 3, Temer postou: “Precisamos lidar com mais uma denúncia inepta e sem sentido, proposta por uma associação criminosa que quis parar o País.” O procurador da República Deltan Dallagnol respondeu ao presidente na quarta, 4, também em rede social: “só há uma associação criminosa que quis parar o país”.

Alvo de uma reclamação da defesa de Lula no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), por manifestação indevida, Carlos Fernando diz que cumpre a lei e que fala em defesa da institutição. No QG da Lava Jato, em Curitiba, ele recebeu a reportagem no Estadão. Defendeu que procuradores podem ser manifestar contra quem “rouba a democracia” e criticou a criação do fundo público para financiamento de campanhas eleitorais, aprovado pela Câmara dos Deputados. nesta quarta-feira, 4.

Estadão: O presidente Temer e sua defesa atacaram duramente o Ministério Público e comparou à uma associação criminosa…

Carlos Fernando dos Santos Lima: A defesa dele só fez xingar. Isso é uma acusação muito grave, é um absurdo. Não tem pé nem cabeça.

A única obrigação do Ministério Público é fazer. E a única defesa que o Ministério Público tem é quando faz. O pior perigo de um Ministério Público é quando ele não faz. Porque o não fazer é muito mais danoso ao interesse público. Porque (quando faz) é o Judiciário quem vai decidir. Mas quando ele não faz, ninguém pode o obrigar a fazer.

O que o Rodrigo Janot fez foi  a obrigação dele.

Estadão: Critica ao Ministério Público não ataca todo órgão?

Carlos Fernando: Acho que ele perdeu a visão da dignidade que cargo exige dele. Eu já perdi a calma com as colocações dele, já disse que foi leviano anteriormente.

Estadão: O sr. tem se manifestado em redes também contra a corrupção e políticos envolvidos…

Carlos Fernando: Não uso nenhuma afirmação relativa a fatos relacionados aos processos em que atuou. Mas como cidadão eu me manifesto e como membro do MP não posso deixar de falar sobre pessoas que roubam a democracia ou de defender a minha instituição como é esse caso em relação ao Temer. Eu defendo a instituição.

Ser parte é defender a sua posição. Defendo que o Ministério Público pode ser manifestar sobre a acusação que fez. Não podemos falar sobre o que você vai fazer, mas sobre o que já fez, não vejo problema. O que não posso fazer é política-partidária, e isso não faço. Temos uma obrigação do artigo 127 da Constituição que é o de defesa do regime democrático.

Quando eu falo sobre corrupção e como isso subverte a democracia, estou exercendo uma parte do meu direito como cidadão, e como parte do Ministério Público estou fazendo a defesa do regime democrático. Essa tem sido a minha linha.

Estadão: Nesta quarta-feira, 4, o Congresso aprovou o fundo público de R$ 1,7 bilhão para as campanhas eleitorais e um dos argumentos é que ele acaba com a corrupção. O sr. concorda?

Carlos Fernando: O problema é colocar a carruagem na frente dos cavalos. Temos hoje um sistema baseado no dinheiro ilícito, que é comandado por alguns partidos, basicamente os maiores. O Fundão veio e teoriamente vai dimunir a necessidade de dinheiro ilícito para as campanhas. Mas esses partidos já estão viciados.

Segundo que o Fundão é gerenciado pelos mesmos caciques que participaram dos esquemas. E no fundo ele serve para manter esses caciques manterem o controle partidário.

Então esse fundo feito agora foi errado. Ele só deveria ser discutivo após uma reforma para a próxima legislatura, porque os partidos vão ter uma renovação. Agora, é dar poder para as velhas raposas, os velhos caciques desses partidos, para se manterem no poder. Porque não houve nenhuma mudança para a próxima eleição, só o Fundo. Cláusula de barreira e outras coisas não foram para frente. Então para a próxima eleição, o que eles ganharam foi dinheiro.

Estadão: Acredita que foi uma saída para cobrir a ausência do dinheiro sujo que a Lava Jato identificou?

Carlos Fernando: Se não fosse esse dinheiro, seria uma campanha extremamente barata e, nesse aspecto, muito mais democrática, porque permitiria uma renovação maior do quadro político. Mas voltamos ao velho problema, por que os três ou quatro maiores partidos tem 50% das verbas?

Acho que tem que discutir financiamento de campanha, público ou privado, mas isso teria que ser feito depois de uma reforma efetiva ou concomitante a ela. Mas não fora dela e premiando exatamente os mesmos partidos e as mesmas lideranças que participaram de todo esse processo. Quem são os líderes partidários? Exatamente aqueles acusados na Lava Jato.

Estadão