NOVA LEI DEVERÁ TORNAR MAIS DIFÍCIL RENOVAÇÃO DA CÂMARA

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A população não deve esperar que a reforma política traga mais renovação ao Congresso, avaliam cientistas políticos ouvidos pela Folha.

Embora a grave crise atual e a desconfiança quase irrestrita da sociedade em relação à classe política criem a expectativa de um aumento expressivo da eleição de novos nomes, pesquisadores apostam em uma taxa de renovação semelhante a de anos anteriores – ou até mesmo um pouco menor.

Isso porque as novas regras aprovadas no começo do mês –fundo público eleitoral, cláusula de desempenho e, a partir de 2020, fim das coligações proporcionais– devem beneficiar os grandes partidos e os políticos com mandato.

Ou seja, será criado um ambiente favorável à reeleição dos congressistas – o que, por consequência, reduzirá o espaço para novos candidatos.

A cada eleição, o Brasil troca quase metade de seus 513 deputados federais. O índice é considerado alto, ainda mais se comparado ao de democracias mais tradicionais.

Nos EUA, a renovação da Câmara no último pleito, em 2016, foi de apenas 3%.

Após o fim da ditadura, a maior renovação na Câmara (62%) foi registrada em 1990, provável reflexo do ambiente de abertura democrática.

A taxa caiu nos pleitos seguintes e se estabilizou na casa dos 40%, sem grandes sobressaltos mesmo em períodos de escândalos ou de maior indignação popular.

Depois das manifestações de junho de 2013, por exemplo, previa-se uma mudança sem precedentes na Câmara, o que acabou não se confirmando. O índice foi de 47%.

“O cidadão só pode escolher o que é oferecido a ele. Os partidos decidem qual candidato terá mais recursos, mais destaque na TV. Para o candidato comum, que não seja famoso nem faça parte da cúpula da sigla, é difícil ter destaque”, diz Fernando Guarnieri, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

A tendência é que essa dificuldade fique mais acentuada. Em substituição às doações empresariais, proibidas pelo STF desde 2015, o Congresso aprovou um fundo público de cerca de R$ 2 bilhões para a campanha de 2018.

Como haverá menos verba em jogo –os gastos declarados de todos os candidatos da última eleição chegaram a quase R$ 6 bilhões (valores atualizados)–, a influência dos caciques deverá ser ainda mais determinante.

Contribuirá para isso o fato de que, com o fim das coligações e a cláusula de desempenho, partidos com poucos votos ficarão fora da Câmara e não terão acesso a recursos públicos.

“Com a reforma, o poder dos líderes dos grandes partidos cresceu exponencialmente. O fundo público será a maior fonte de financiamento. E grande parte dele será distribuído pela direção partidária, que vai procurar privilegiar as apostas mais certeiras, os que já ocupam cargos públicos”, diz Guarnieri.

Nas duas últimas eleições, 70% dos deputados federais que tentaram a reeleição tiveram vitória. A renovação é resultado da soma dos que não conseguiram um novo mandato e os que nem tentaram se reeleger (em média, 20%).

“A vantagem dos que se recandidatam, em relação aos demais, é gigantesca –e tende a ficar ainda mais. Fora toda a visibilidade que um cargo público confere a quem o ocupa, o nível de concentração de renda em alguns candidatos é assustador”, afirma George Avelino, professor do Centro de Política e Economia do Setor Público da FGV.

Ele destaca outro fator que pode dificultar a vitória de novos nomes. “Como a Justiça está mais atuante, creio que em 2018 mais deputados disputarão a reeleição para ter foro privilegiado, numa tentativa de evitar, ou pelo menos postergar, uma eventual prisão. É mais um ponto para estimular a perpetuação dos mesmos nomes.”

DE PAI PARA FILHO

Isso leva a um aparente paradoxo: se a renovação é alta, por que a sociedade tem a impressão de que a Câmara é sempre a mesma?

“Porque na prática ocorre algo bem próximo disso”, diz Andrea Freitas, professora de ciência política da Unicamp e coordenadora do Núcleo de Estudos das Instituições Políticas e Eleições do Cebrap.

“A troca de deputados se dá mais no que chamamos de baixo clero. Os líderes, os políticos que ocupam as principais funções no Legislativo, comandam os processos e aparecem mais na mídia, são sempre os mesmos. E muitas vezes a mesma família vai se mantendo a cada eleição, passando a cadeira de pai para filho, por exemplo.”

SISTEMA INFLUENCIA ÍNDICE DE MUDANÇAS

É importante haver renovação na política?

O “sim” parece ser uma resposta óbvia, ainda mais no caso brasileiro, em que os políticos tradicionais se encontram em profundo descrédito. Mas quanta renovação é desejável em uma democracia?

A Câmara dos Deputados brasileira apresentou na eleição de 2014 um índice de mudança de 47%.

Em 2016, a renovação na Câmara dos EUA foi de apenas 3%. Algo similar ocorre no Reino Unido.

Qual o melhor modelo? Não há resposta simples, dizem especialistas.

“Não parece haver uma ligação tão direta entre renovação e a qualidade de uma democracia”, diz Fernando Guarnieri, da Uerj. “Talvez a moderação também seja o melhor remédio nesse caso.”

Estudos internacionais apontam variados fatores para explicar a taxa de renovação: a periodicidade das eleições, a solidez do Legislativo, a volatilidade dos eleitores, as perspectivas das carreiras políticas.

Mas sobretudo o sistema eleitoral parece ter uma influência preponderante.

No sistema distrital, como é o caso dos EUA, a renovação no Congresso tende a ser consideravelmente menor.

Nesse modelo, o país é dividido em distritos, normalmente com população semelhante entre si, e cada um deles elege, por maioria simples, um representante. Cada partido apresenta um candidato no distrito e o mais votado é eleito deputado.

A estratégia dos partidos, portanto, é apostar no mesmo nome vitorioso eleição após eleição – o que leva aos altíssimos índices de reeleição.

Já o Brasil adota o modelo proporcional, que favorece a troca mais constante de cadeiras na Câmara.

Cada distrito (no caso brasileiro, Estado) elege inúmeros deputados. A divisão das vagas leva em conta toda a votação recebida pelo partido.

Assim, é vantajoso para cada sigla apresentar muitos candidatos em cada Estado.

“Uma democracia sem renovação é péssimo. O deputado deixa de ter medo de perder o mandato e acaba perdendo o vínculo com o eleitor, passa a legislar em causa própria”, comenta George Avelino, professor da FGV.

“Por outro lado, se a renovação é alta demais, cai-se no mesmo problema. O horizonte do deputado passa a ser só aquele mandato de quatro anos. Então ele não precisa se preocupar em atender aos interesses dos cidadãos. Formar um bom parlamentar exige tempo e experiência’, conclui.

Folha de S.Paulo