“O PAÍS DO MOLHA A MÃO” E OUTRAS NOTAS DE CARLOS BRICKMANN

corrupcao

Mais de 10% dos brasileiros admitiram pagar propina para ter acesso a serviços públicos como saúde, educação, segurança, emissão de documentos

Publicado na Coluna de Carlos Brickmann

A procuradora-geral Raquel Dodge disse, ao tomar posse, que o povo “não tolera a corrupção”. Sua Excelência está certa, mas na frase faltou um pedacinho que lhe daria mais precisão: o povo não tolera “a corrupção dos outros”. O problema não somos nós, mas aqueles safados que condenamos.

Uma entidade séria, a Transparência Internacional, em pesquisa agora divulgada, mostrou que 11% dos brasileiros admitiram pagar propina para ter acesso a serviços públicos como saúde, educação, segurança, emissão de documentos. Detalhe interessante: a pesquisa se realizou na época do impeachment da presidente Dilma Rousseff, com manifestações de massa contra a corrupção do Governo. Petrolão, não; mas tudo bem molhar a mão.

As respostas positivas, em que tanta gente confessa não apenas seu hábito de transgredir a lei como o desprezo pelos que protestam contra isso, são obviamente verdadeiras: ninguém mente ao confessar que age fora da lei. Portanto, se as autoridades pensam ter apoio do povo para combater os atos mais comuns de corrupção, podem ir desde logo mudando de ideia.

A pesquisa, porém, traz aspectos mais positivos. Dos brasileiros, 81% garantem que, se presenciassem um ato de corrupção, iriam denunciá-lo. Claro que até agora ninguém o fez, exceto em troca de algum tipo de perdão dos suculentos – em alguns casos, tão bons que vale a pena até assumir a culpa de um crime. Mas é um bom sinal. Quem sabe um dia?

Fica a dica

Conhecendo-se o que já se conhece, sabendo como pensa boa parte da população, acompanhando a disputa entre parlamentares e procuradores (tendo alguns ministros do Supremo, surpreendentemente, na mediação do jogo) vale a pena mergulhar um pouco na Operação Lava Jato. De duas, uma: ou a ofensiva contra a Lava Jato consegue sufocá-la, ou o cruzamento de delações premiadas, combinado com enxurradas de investigações bem-sucedidas, vai gerar tantos processos que ninguém conseguirá acompanhá-los (e, de um ou outro jeito, vamos perder o fio da meada). É hora de pegar um bom livro que sistematize o que se sabe da ladroeira geral e irrestrita. Uma sugestão: República dos Acarajés, do gaúcho Walter Soares.